O olhar chinês sobre a eficácia.

Eficácia 

O Olhar chinês sobre a eficácia segundo o sinologo François Jullien 

 

eficacia

                                                                François Jullien é um filósofo e sinólogo francês.

Formado pela ÉcoleNormale Supérieure, estudou a língua e o pensamento chinês na Peking University e na Shanghai University doutor em Estudos do Extremo Oriente. Foi presidente da Association Française d'Études Chinoises (de 1988 a 1990) e presidente do Collège International de Philosophie (1995-1998). É atualmente professor da Université Paris Diderot – Paris 7 e diretor do Institut de la Pensée Contemporaine e do Centre Marcel-Granet. É também membro sênior do Institut Universitaire de France.

 

 

Como pensar a eficácia?

Como pensá-la sem construir um modelo posto como fim, logo sem passar pela relação teoria- prática, e fora de todo afrontamento heróico (como fizeram os gregos)? Dito de outro modo, como tirar da sombra dos mitos essa mètis, enquanto « inteligência astuciosa » (a de Ulisses polutropos), que o instrumental teórico dos gregos, ao elaborar o estatuto de uma forma ideal (eidos), abandonou?

À dificuldade europeia de pensar a eficácia – mesmo na vertente «realista» de nossa filosofia (de Aristóteles a Maquiavel ou Clausewitz) – se opõe a abordagem chinesa da estratégia: quando a eficácia é esperada do «potencial da situação» e não de um plano previamente projetado, quando ela é encarada em termos de condicionamento e não de adequação dos meios a um fim, de transformação e não de ação, de manipulação e não de persuasão, etc.: nesse caso, a «ocasião» a ser aproveitada não é mais do que o resultado de uma tendência desencadeada, e o melhor general só obtém vitórias «fáceis», sem que sequer se pense em «louvá-lo» por isso. Ora, essa estratégia preconizada pelas artes da guerra da China antiga (Sunzi) se encontra nas artes do poder (em sua tradição autoritária: Han Feizi) ou da diplomacia (o Guiguzi); sua coerência é explicitada nos aforismos do Laozi, cujo « não agir », longe de exaltar o desengajamento e a passividade, extrai da imanência a capacidade de efeito. A partir desse contraste, percebe-se melhor em que consiste um « efeito »; e, sobretudo, que é preciso sair de uma concepção espetacular do efeito para compreender, seguindo os estrategistas chineses, que um efeito será tanto maior quanto mais discreto e menos visado for, decorrendo indiretamente do processo em curso.

 

Apoiar-se sobre o potencial de situação (em vez de construir um modelo)

Vou propor três noções principais para entrarmos na concepção chinesa da eficácia. A primeira é a de « potencial de situação » (tomo esta noção dos estrategistas chineses da Antiguidade: Sun Zi, Sun Bin) Em vez de modelizar construindo uma forma ideal e colocando-a como objetivo (o que implica em seguida introduzir esta forma ideal na realidade e não ocorre sem uso de força), quem quer ser eficaz (na China) se dedicará antes a identificar– detectar – os fatores que lhe são favoráveis no seio da situação abordada – tal é o « potencial de situação » (noção de shi) – de modo a fazê-la inclinar-se progressivamente para o seu lado. Não viso diretamente o efeito procurando impor meu plano às coisas, o que só pode ocorrer com desgaste ou resistência; mas faço evoluir continuamente a situação em função dos fatores portadores 11 que aí vislumbro, de modo que o efeito decorre da própria situação. Dito de outro modo, é ela própria que gera o resultado esperado. Ou, se hoje nada me é favorável, prefiro esperar em vez de me esgotar no afrontamento de uma situação contrária – o que seria certamente belo, e mesmo heróico, mas pouco eficaz…

Pois o estrategista chinês sabe que essa mesma situação está em evolução e que pouco a pouco surgirá uma nova configuração de forças, sobre a qual poderá novamente se apoiar para ter sucesso. Disso resulta uma concepção da eficácia ao mesmo tempo indireta (por oposição ao que seria um objetivo visado) e discreta (já que se infiltrando no curso das coisas em vez de procurar submetê-lo a seu projeto). É por isso que preferi finalmente mudar de termo e falar, a propósito da China, de « eficiência », mais que de eficácia: a eficiência sugere a continuidade de um fluxo e ao mesmo tempo a arte de captar sua imanência, sem valorizar um eu-sujeito (que projeta – que age). 

 

Que entender por transformação silenciosa?

Daí decorre uma segunda noção: a de « transformação silenciosa ». O herói (do lado europeu) não apenas visa objetivos, mas deve ainda agir para fazer advir a forma ideal que traçou. Ora, sabemos que um dos temas mais marcantes do pensamento chinês − em todas as escolas, mas particularmente insistente no taoísmo, é o « não-agir » (wu wei), que não devemos entender no sentido de um desengajamento, menos ainda de uma renúncia ou de uma passividade. Se o Sábio ou o estrategista não agem, eles « transformam » (hua): quer dizer que eles fazem evoluir pouco a pouco, por influência, a situação no sentido desejado. O Sábio em proveito do mundo, o estrategista em seu próprio proveito – a diferença entre ambos sendo não de lógica, mas de escala e de interesse.

Ora, a transformação se manifesta precisamente como o contrário da ação. Esta, porque é local e momentânea e remete a um sujeito (ajo « aqui e agora»), se destaca do curso das coisas, portanto se sobressai e pode tornar-se objeto de uma narrativa (a epopeia). Aquela, pelo contrário, fundando-se no curso das coisas, é demasiado global e progressiva para deixar- se notar em seu processo.

Nisso ela é « silenciosa». Mas constatamos a posteriori seu resultado. Observem essas «transformações silenciosas» que todos nós vivenciamos, o aquecimento global ou o envelhecimento. Digo « silenciosas » porque não as percebemos e elas passam «em silêncio»: não nos vemos envelhecer porque a transformação é global e contínua; mas quando olhamos as fotos de vinte anos atrás, subitamente nos damos conta de que envelhecemos… A ação é mais visível na medida em que força a situação, mas seus efeitos permanecem epifenômenos, nos dizem os chineses. A transformação, ao contrário, é efetiva e mesmo ainda mais efetiva porque não a vemos operar e porque ela não produz acontecimento. O pensamento chinês dissolve, assim, a individualidade do acontecimento na globalidade dos processos. Ao contrário da grande mitologia europeia de um Acontecimento (e advento) que introduz uma ruptura no tempo e cuja espera Ainda não rompeu completamente com o religioso com o religioso (o grande « Antes »), os chineses nos tornam atentos ao tempo longo, à duração lenta, e não vêem assim no « acontecimento » (acontecimento « sonoro », dizia Braudel) nada além de um afloramento momentâneo – traço de espuma – de uma mutação muito mais ampla que não se poderia fragmentar. 

 

O ideal da regulação


Creio portanto que, também com relação à China contemporânea, não se pode analisar sua história sem levar igualmente em conta as categorias que o pensamento chinês desenvolveu. Último ângulo desse triângulo teórico: a « Regulação ». Trata-se aqui de uma ideia mestra da China antiga: é porque não cessa de ser regulado que o curso do « Céu » continua a se renovar. « Regular » é manter o equilíbrio através das mudanças (noção de zhong). Tal é a velha ideia chinesa da « harmonia » (he), mas que devemos pensar em curso − em processo − e não de modo estático (o que evidentemente não quer dizer que a história chinesa tenha sido em si mesma harmoniosa). Ora, será que hoje os dirigentes chineses modelizam (mesmo se aprenderam a fazer planos como no Ocidente)? Na verdade, creio que eles se dedicam antes a regular, para tentar conter os riscos de aquecimento econômico e evitar a ampliação dos afastamentos, o que poderia suscitar insurreições. Vejam o discurso dos políticos chineses atuais: devemos dar mais atenção aos camponeses, reduzir as desigualdades excessivas entre as províncias, limitar a corrupção, etc. Em suma, cuidemos das « desregulações ». Tudo isso para evitar explosão (e queda do regime). A transformação empreendida por Deng Xiaoping, inclusive em seus movimentos mais brutais, foi acompanhada pela preocupação de regular a passagem para a modernização, «; ao mesmo tempo que um nacionalismo exuberante foi chamado para socorrer um comunismo enfraquecido, mas sem que o primeiro renegasse abertamente o segundo. A situação chinesa não me parece portanto completamente solúvel nas categorias de análise política que elaboramos a partir da Europa. 

Em entrevista gravada em São Paulo Grão-Mestre Leo Imamura fala sua visão de eficacia dentro do Sistema Ving Tsun (Wing Chun).

 

 

 

 

 

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